25 de maio de 2023
Estudos de estabilidade
No blogue de hoje, vamos conhecer um pouco melhor este estudo que ocupa a maior parte do tempo e do orçamento dos nossos desenvolvimentos: o estudo de estabilidade.
Mas comecemos pelo princípio, o que é a estabilidade? Estabilidade é a capacidade de um produto manter as suas propriedades dentro dos limites estabelecidos ao longo da sua vida útil. Por outras palavras, que mantém as suas propriedades apesar da passagem do tempo. E quais são essas propriedades? Bem, as propriedades que o definem: o seu aspeto, a sua cor, o seu cheiro, a sua aplicabilidade, a sua textura, o seu pH, a sua capacidade de exercer a sua ação, ... Podemos dividir estas propriedades em 3 grandes grupos: propriedades físicas, químicas e microbiológicas.
Assim, o objetivo do estudo de estabilidade é assegurar que o cosmético mantém a qualidade física, química e microbiológica, a funcionalidade e o aspeto pretendidos durante o seu prazo de validade.
E é aqui que começa a parte interessante porque, embora a legislação na maioria dos países exija que os produtos cosméticos comercializados sejam estáveis, não existe uma norma que defina o desenho de um estudo de estabilidade em cosméticos. Temos uma ISO (ISO TR 18811) que fornece directrizes para a criação de desenhos de estudo adaptados a cada produto em particular, mas cada indivíduo deve conceber o estudo de acordo com as necessidades do seu produto. Em resumo, teremos de ter em conta o seguinte:
- Identificar condições que possam "acelerar ou prever" os efeitos do stress na consistência do produto. Isto pode incluir os efeitos de temperaturas variáveis na integridade do produto. Sabe-se que a temperatura aumenta a taxa de algumas reacções químicas. A equação de Arrhenius, que mede a variação da constante cinética da reação em função da temperatura, é utilizada para calcular o impacto da temperatura.
- Avaliar as propriedades estéticas do produto (como a cor, a fragrância, a textura) em condições variáveis. Isto é muito importante para os cosméticos sólidos moldados que podem alterar o seu aspeto de forma irreversível devido aos efeitos da temperatura.
- Estabelecer o prazo de validade previsto e os países onde vamos vender. Não é a mesma coisa formular para vender no Brasil, onde as temperaturas e a humidade são elevadas na maior parte dos meses do ano, do que na Escandinávia, onde o clima é mais frio e seco.
Conceção do estudo
Para conceber o nosso estudo, teremos de definir, por um lado, as temperaturas a que vamos armazenar o produto e, por outro, os parâmetros que vamos medir.
A definição da temperatura determinará a duração do estudo e será determinada pela vida útil prevista e pelos países para os quais vamos vender. 25ºC é considerada a temperatura ambiente, pelo que um estudo efectuado à temperatura ambiente será em tempo real e não acelerado. Se considerarmos os países tropicais, a temperatura ambiente sobe alguns graus e consideramos 30ºC em tempo real. A estabilidade em tempo real é a única definitiva e a que garante resultados equivalentes às condições reais de armazenamento. O problema é que, se o fizéssemos desta forma, teríamos de esperar 30 meses antes de lançar um produto no mercado (claramente inviável).
Os estudos de estabilidade mais comuns são os efectuados em condições aceleradas, ou seja, através do aumento da temperatura. Os mais comuns são realizados entre 40ºC e 50ºC, o que, de acordo com a equação de Arrhenius, acelera a taxa de reação em cerca de 10 vezes. Assim, 3 meses a esta temperatura equivaleriam a 30 meses em tempo real. Estes estudos são designados por estudos de estabilidade acelerada.
Definir os parâmetros a avaliar
Para definir os parâmetros a avaliar, teremos em conta as especificações do produto. Por exemplo, para uma solução aquosa, será interessante medir o pH, para um óleo, talvez a densidade, o índice de refração ou os peróxidos. É sempre interessante medir os parâmetros mais sensíveis, aqueles que se alteram mais facilmente, de modo a detetar rapidamente as alterações.
O que medimos sempre são os parâmetros organolépticos (aspeto, cor e odor), pois estes não só são importantes para determinar a qualidade do produto, como também podem ser indicativos de alterações químicas ou microbiológicas ocultas.
Há muito debate sobre a necessidade de analisar quimicamente algumas das substâncias contidas na fórmula. Por exemplo, protectores solares ou conservantes. Uma vez que a conceção de cada estudo fica ao critério do gestor do estudo, caberá a este decidir se a análise de alguma substância acrescenta valor ao estudo.
Normalmente, os parâmetros microbiológicos são sempre incluídos nos estudos de estabilidade para garantir que o produto mantém a sua qualidade microbiológica ao longo do seu prazo de validade. Mas é geralmente interessante avaliar a robustez do sistema de conservação à contaminação durante a utilização. Para este efeito, é realizado um Teste de Desafio de Conservantes, tal como mencionado nesta entrada do blogue.
Importância da embalagem
É necessário ter em conta o impacto da embalagem primária na formulação, bem como quaisquer efeitos que o produto possa ter na embalagem. Para este efeito, recomenda-se que os estudos de estabilidade sejam realizados no recipiente final ou, pelo menos, num recipiente que partilhe os materiais com o recipiente final (por exemplo, se o recipiente final for um molde especial).
A interação entre a embalagem e o produto pode ser:
- A embalagem afecta a fórmula: por exemplo, pode não ser completamente hermética e permitir que o produto seque, ou pode absorver alguns dos ingredientes, como os conservantes, e reduzir a sua eficácia.
- A fórmula pode afetar a embalagem: as fórmulas ricas em óleos essenciais podem alterar alguns plásticos ou os produtos com ureia podem amarelar a embalagem. As fórmulas podem também atacar os plásticos e provocar a deterioração (por exemplo, fissuras) da embalagem.
- Efeito mútuo: por vezes, as reacções na formulação podem produzir gases que incham os recipientes.
Estes testes são designados por testes de compatibilidade e podem mesmo incluir um teste de ancoragem da tinta no caso de embalagens serigrafadas ou testes de aderência de rótulos.
Outros estudos que podem ser efectuados são os estudos de estabilidade na presença de luz, especialmente para produtos coloridos que serão expostos à luz nas lojas. Também ciclos de congelação-descongelação ou resistência à vibração, para verificar a robustez do produto durante o transporte.
Por outras palavras, devemos pensar em todo o ciclo de vida do produto e conceber tantos estudos de estabilidade (ou um estudo tão completo) quantos os que o produto irá sofrer.
Uma vez efectuados esses ensaios, deve ser elaborado um relatório de conclusões sobre a estabilidade. O relatório deve incluir:
- identificação do laboratório que efectua o ensaio,
- identificação do produto,
- amostras do material de embalagem primária utilizado no ensaio,
- descrição da metodologia utilizada para determinar a durabilidade mínima do produto,
- condições do estudo,
- resultados do estudo,
- a assinatura da pessoa responsável pelo estudo.
É muito importante conservar este relatório no dossier do produto, acessível a pedido de qualquer autoridade, pois é a prova de que o produto mantém as suas propriedades durante o prazo de validade que lhe atribuímos.
Saiba mais sobre Celia Campos, Directora Técnica e co-fundadora da MuttuLab, autora deste artigo.
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